Recentemente lancei mais uma dramaturgia: Q Absurdo!, pela Opera Editorial, uma curta peça metalinguística que fica bem nos palcos e também no papel! Trata-se de um encontro de grandes nomes do gênero Teatro do Absurdo: Samuel Beckett, Fernando Arrabal, Eugène Ionesco e Jean Genet, além do precursor Luigi Pirandello, que convidados pelo anacrônico brasileiro Qorpo Santo, reúnem-se para discutirem os absurdos que assolam o Brasil e o mundo em busca de uma solução para os impasses da modernidade.
Para ser menos autorreferente, veja algumas considerações do professor doutor Flávio Wolf de Aguiar, da USP e da Universidade de Montreal, a respeito do livro que espero, sirvam de convite à leitura do público interessado em teatro: “Em seu ensaio A Personagem no Romance, no livro A Personagem de Ficção(1968), diz o professor Antonio Candido que “o enredo existe através das personagens, as personagens vivem no enredo”. Mais adiante, pontua: “{A organização do contexto} é o elemento decisivo da verdade dos seres fictícios, o princípio que lhes infunde vida, calor, e os faz parecer mais coesos, mais apreensíveis e mais atuantes do que os próprios seres vivos”.
Bem, e se não houver enredo? Haveria ainda personagens?
Antonio Candido está falando de personagens no romance. No mesmo livro, ao abordar “A personagem no teatro”, diz o professor Décio de Almeida Prado que a diferença entre os dois gêneros consiste na dispensa do narrador. No teatro ou no texto dramático, o enredo acontece através das personagens e unicamente através delas. Graças aos atores, essas têm uma presença física antes mesmo de falarem. E há três maneiras de saber algo sobre elas: através do que falem (ou deixem de falar), do que façam (ou deixem de fazer), e através do que as outras falem delas (ou deixem de falar).
Mas volto à pergunta que não quer calar: e se não houver enredo, mas um anti-enredo, isto é, um nó permanente sem desenlace? Haveria ainda personagens? Ou seja, seres pesadamente vivos que revelam mais sobre os vivos do que estes mesmos por vezes são capazes?
Esta é a dúvida sobre a qual repousa (repousa?) este texto de Luiz Eduardo de Carvalho e de sua admiração pelo Teatro do Absurdo, conforme a expressão consagrada pelo crítico Martin Esslin em seu livro homônimo, publicado em 1961: Seis autores de algum modo ligados a este gênero teatral se reúnem a chamado de um desconhecido “Ele”, com um objetivo nebuloso. Dois deles estão sob a rubrica de serem “precursores”: o italiano Luigi Pirandello e o brasileiro Qorpo-Santo, aquele do século XX e este do XIX. Alguns coadjuvantes os acompanham: um Escriba que tudo registra, o pessoal da técnica da montagem e, ah sim, o público na plateia.
E o que acontece no Teatro do Absurdo? Nada. Este é o drama: o nada que é tudo e o tudo que é nada.
Então haverá ainda personagens? Talvez não. Haveria “personas”, a palavra latina que designava as máscaras usadas pelos atores no teatro da Roma antiga.
A tentação é muito forte: considerar que a peça gira em torno de farsantes que decoraram os papéis e trechos dos dramaturgos que mais desencarnam do que encarnam, para passar o tempo e ganhar a vida.
Uma metáfora da nossa sociedade? Quem sabe? Sem ser panfletária (felizmente!) a peça de Carvalho é uma metáfora contundente do Brasil pós-golpe de 2016 e eleição do Grande Farsante que desossou o papel de Presidente da República, de 2019 a 2022.
Sendo este um comentário, não me cabe antecipar demasiado sobre o que, afinal de contas, se passa ou não se passa neste encontro mirabolante de máscaras de espaços e tempos tão diversos. Fico com o comentário de uma delas, que vale como um vaticínio sobre o nosso país e o nosso tempo: “Vocês não acham que está na hora de acontecer alguma coisa”?”
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